quinta-feira, 9 de abril de 2015

Olhares da Gestão Cultural

Participei do III Seminário Olhares da Gestão Cultural, na última quarta-feira (8 de abril). Esse evento foi realizado pelo Governo do Estado de São Paulo, por meio da sua Secretaria da Cultura, da Organização Social POESIS e da Oficina Cultural Altino Bondesan. O cenário foi mais uma vez o campus da UNIVAP - Universidade do Vale do Paraíba, em São José dos Campos, que sedia o seminário desde a sua primeira edição.

Os seus objetivos eram claros e bem apropriados e contundentes para o que estamos vivendo de experiências culturais e na conjuntura econômica que subtrai recursos do setor, sem qualquer cerimônia. E os quatro palestrantes foram unânimes nessa constatação, ao destacarem durante as suas falas, como num mantra, que:

A demanda pública é muito maior que a capacidade orçamentária que os Governos (Federal, Estadual e Municipal) disponibilizam. Ou seja, o cobertor é curto. Por isso, sabemos: Haja Criatividade!!!!!!!!! ... para gerir uma área cultural.

Entendemos que a gestão necessita de um tempo de amadurecimento, por que quando você provoca uma ação cultural, automaticamente tem que estar preparado para as demandas que virão.

Um dos palestrantes, Chico Pelucio, que além de Gestor é o diretor-artístico do Grupo Galpão, citou alguns trechos de opiniões e falas do dramaturgo Alcione Araújo e do novo ministro da Educação Renato Janine, que compartilho com vocês:

"A história reconhece na aliança entre educação e cultura a primazia de criar sonhos e inventar meios de realizá-los. O valor simbólico da cultura fecunda o processo civilizatório, dos valores às leis, da política à vida. A herança de colonizado, a exclusão social e a elitização da cultura atrelam o futuro da produção artística ao que a educação lhe reservar – a cultura é dependente da educação. Se ela não cumpre sua missão, sufoca as artes. Não se pode pensar a Educação sem a Cultura, nem a Cultura sem a Educação. No espectro cultural há um vácuo entre arte popular – autônoma à educação – e arte tradicional, dita do espírito. Tentou-se fazê-las dialogar num amplo projeto nacional popular abortado pela ditadura. No gap entre as duas irrompeu a indústria audiovisual de entretenimento, hoje hegemônica. O público, além de introjetar valores desta indústria, assiste à contaminação da cultura do espírito e da cultura popular pela anódina cultura de massa. Ao artista resta o desalento por sua obra não chegar ao público, não emocioná-lo nem aguçar sua imaginação, não humanizá-lo ou levá-lo a pensar. Artista e arte perdem a função, o público empobrece e estreita o horizonte da sociedade. Não se formam platéias e as obras não circulam; não se viabiliza economicamente a produção, cujo custo crescente, torna-a mais dependente do Estado, suscetível à descriminação política e acomodação estética – o artista inibe a própria ousadia. À falta do público induzido pela educação, a produção artística se autodesqualifica na busca de audiências que não a reconhecem – e perde o público cativo remanescente. Educar não é apenas qualificar para o emprego, nem arte é apenas adorno que aguça a sensibilidade. Há uma dimensão humana que, sem educação e cultura, nada agrega como experiência coletiva, nem alcança a plenitude como experiência individual capaz de discernir e ser livre para escolher. E, sem isso, não podemos dizer que somos realmente humanos."

Alcione Araújo: Escritor, dramaturgo, cronista, roteirista de cinema.




“Qualquer um sabe responder quais são os principais ministérios do governo federal — aliás, de qualquer governo no mundo atual. São os da área econômica. Só que não”.

Depois, foi ao ponto: “Os ministérios que definem o futuro de um país, que deverão ser decisivos nos próximos anos, e em poucas décadas serão reconhecidos como os principais, são três: Cultura, Atividade Física (como eu chamaria a atual pasta dos Esportes) e Meio Ambiente.”

Tomado pelas palavras, Janine talvez preferisse que Dilma o tivesse convidado para chefiar a pasta da Cultura. No artigo, ele falou de educação como um complemento da cultura. Traçou um paralelo: 

“A cultura tem a ver com a educação. As duas pressupõem que o ser humano não nasce pronto, mas é continuamente construído pela descoberta dos segredos do mundo e pela invenção do novo.” 
Prosseguiu: “Na educação como na cultura, não há limite: sempre se pode descobrir ou inventar mais. Nada é tão crucial quanto elas para uma sociedade em mudança rápida, como a nossa. A educação e a cultura, nas suas várias formas, fazem crescer a liberdade das pessoas.”

Janine recordou que, em artigo anterior, afirmara que “a cultura é a educação fora de ordem, livre e bagunçada.” Comparou: “Para cursos, há currículos. Para a cultura, não. Um curso sobre a abolição da escravatura é educação, o filme ‘Lincoln’ é cultura.”

Foi nesse ponto que o novo ministro revelou o que seria para ele o modelo ideal de educação:

“Cada vez mais, a educação deverá se culturalizar: um, deixando de seguir currículos rígidos; dois, tornando-se prazerosa; três, criativa.” Na opinião de Janine, deve-se conservar apenas “um currículo norteador, que leve da infância à idade adulta.” 

Sem perder de vista que a educação jamais termina.

* Renato Janine, filósofo e Ministro da Educação.

No começo deste post, disse que era unânime para os palestrantes a questão do orçamento para cultura. Mas unânimes também, foram as questões levantadas pelos seminaristas, a maioria gestores culturais:

Vamos lá:

1) Qual o caminho para tirar do campo das idéias e envolver outras áreas governamentais municipais para ações integradas com públicos alvos comuns e compartilhamento de recursos orçamentários, já que as Secults são as mais desprovidas de verba ?

2)  Os Fundos de Cultura, são investimentos de forma sustentável, o que acredito que é muito bom, entretanto lanço a minha pergunta: __ Como solucionar essa relação de comodidade e dependência que o artista criou com o poder público ?

Posso falar, com toda propriedade, como gestora e que pergunta como artista.

Afinal, como diminuir essa dependência visceral com o poder público dentro da lógica da Cultura ?

Explico com um exemplo vivenciado como analista de projetos culturais independentes em Santos:

Um escritor, poeta, todos os anos faz um belo projeto para o Facult - Fundo de Assistência à Cultura de Santos, ok ? Até aí, não vejo o menor problema. Se não temos que ter acesso à cultura, precisamos fazer valer o direito à cultura !!!

Ele escreve bem, por isso seu projeto é impecável, e vence o concurso, GOOOLLLLLL. Um Facult com verba de 10 mil dinheiros, dá pra editar alguns livros, sim !!!

No outro ano, ele se inscreve de novo, porque o trâmite é muito fácil, e ele já conhece o caminho, e está com o sintoma da dependência. Em tempos que falamos em ECONOMIA CRIATIVA, o que esse autor está fazendo em gestão empreendedora ? Onde entra o papel de PROSUMIDOR ? O produtor e consumidor, nessa história ?

Porque não editar seu próprio livro, abrir uma editora coletiva, empreender, lançar seus livros, com seus commodities, e por aí vai ...

É só um exemplo !!!!!!!! Isso serve para um produtor de teatro, um bailarino, um cara do cinema etc etc etc

Particularmente acredito que a Cultura é o meio ambiente de todos nós. E,  desse pensamento e conceito, vamos lá:

No cenário da Gestão, três pilares seguem juntos: Articulação, Criatividade e Conhecimento. Com isso, envolve-se a Educação, que é o principal elemento para expandir a cultura, e a tecnologia, que é o mecanismo para se criar conexões e redes entre os segmentos.

Para uma cidade entrar no eixo CIDADES CRIATIVAS, é preciso:

1 - INOVAÇÃO (SOLUÇÕES) - Cultura não é terra de ninguém

2 - CONEXÃO – Redes entre o potencial cultural e a cidade.

3 - OLHARES DIFERENTES (Saber distinguir o que a cidade tem de diferente, específico, e valorizar isso)

A interface entre a Cultura e a Educação é legítima, só assim conseguiremos criar uma construção coletiva.

E transformar os clichês básicos:

Acesso à cultura X Direito à cultura

Contemplação X Vivenciar as experiências

Produzir X ser um produtor e consumidor da cultura (PROSUMIDOR)

Quem sabe assim, deixamos um dia de ser o filho frágil do Governo, o primo pobre da Educação, o terreno infértil de investimentos. 

Há respaldo para isso no Art. 215, da Constituição Federativa do Brasil 1988, na Seção II Da Cultura, que dispõe:

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

Quando é que esse dispositivo sairá do papel ? Quando deixará de ser uma letra morta ? Será que essa Constituição não está em desuso, velha e ultrapassada na questão Cultural também ?

Não está na hora de rever essas leis, esses artigos e trazer pra nossa realidade social-econômica ? Ou vamos logo aplicar uma vacina de vontade política nos governantes pra fazer valer o que é um direito cidadão ? 

Não sei ...

Mas deixo essa reflexão !



Tatiana Justel





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