Esperei por três horas diante da porta da Maison de Van Gogh, Auvers sur Oise que se localiza a aproximadamente 30 kms de Paris. Inquieta, sentei-me no banco da praça diante do Albergue Ravoux, e imaginava o que uma garota do Bronx de Santos fazia ali, naquele mundo velho, sozinha, atrás de um sonho.
Era domingo, estava fresco, e às 10hs em ponto, abriram-se as portas da Maison de Van Gogh. Comprei os bilhetes que dão direito aos aposentos de VG, que também davam direito de visitar os lugares onde ele tinha passado os seus últimos tempos de vida: Casa do Dr Gachet, Os Campos de Trigos, O cemitério de Auvers onde VG e Theo estão enterrados. Eram pacotes dirigidos por guias e outras coisas mais ... coisas de viagem ...
Contava com 100 euros para passar o dia em Auvers, uma baguete com queijo e presunto, uma garrafa de água, meia garrafa de vinho rosé, um livro para sobreviventes que tentam falar francês, uma câmera e só. Para o padrão de vida de Auvers, que se tornou um tipo de "Principado de Mônaco", eu não tinha nada, tinha dinheiro suficiente para tomar uma água, e voltar de ônibus para Paris.
Aventura, liberdade e uma certa soberba ...
Tinha me preparado para estar ali, tinha estudado tanto a vida de Van Gogh, os impressionistas; desejava aquele lugar só para mim, não queria dividir aquele domingo com ninguém, não queria ver aquela turistada toda.
Contava com 100 euros para passar o dia em Auvers, uma baguete com queijo e presunto, uma garrafa de água, meia garrafa de vinho rosé, um livro para sobreviventes que tentam falar francês, uma câmera e só. Para o padrão de vida de Auvers, que se tornou um tipo de "Principado de Mônaco", eu não tinha nada, tinha dinheiro suficiente para tomar uma água, e voltar de ônibus para Paris.
Aventura, liberdade e uma certa soberba ...
Tinha me preparado para estar ali, tinha estudado tanto a vida de Van Gogh, os impressionistas; desejava aquele lugar só para mim, não queria dividir aquele domingo com ninguém, não queria ver aquela turistada toda.
Quando tinha 14 anos, e era bailarina do Teatro Municipal de Santos (Brás Cubas), um dia, chegando ao foyer do teatro, havia uma exposição sobre os impressionistas e, quando vi Van Gogh pela primeira vez, queria simplesmente tocar suas obras, senti-las pelo tato. Esse foi o meu primeiro contato com a sua arte.
Havia somente quatro obras, era uma reprodução muito mal feita por um artista norte-americano, que não me lembro o nome: Starry Night, Os corvos, Auto-retrato, e Comedores de Batatas. Abaixo de cada uma delas havia um texto, que destaquei e relembro até hoje: "Van Gogh fora um louco, esquizofrênico. Mas era um gênio !!!"
Havia somente quatro obras, era uma reprodução muito mal feita por um artista norte-americano, que não me lembro o nome: Starry Night, Os corvos, Auto-retrato, e Comedores de Batatas. Abaixo de cada uma delas havia um texto, que destaquei e relembro até hoje: "Van Gogh fora um louco, esquizofrênico. Mas era um gênio !!!"
Passaram 30 anos, e, depois de muito vasculhar a vida e a obra desse gênio, eu estava ali, tão perto, e não poderia tocar nenhuma obra dessa vez, pois en Auvers sequer tem uma pintura dele. O diretor da Maison de Van Gogh, do Albergue Ravoux, Jean Louis, um franco-lusitano, muito simpático, apaixonado por arte, tentava há alguns anos, trazer um exemplar de coleção privada. Tentativa essa que o levou a todos os museus onde se encontram VG, e o fez catalogar tudo e todos os seus colecionadores. Ele fazia esse trabalho, há pelo menos 30 anos.
E acredito que, depois de tantas tentativas, Jean Louis, compreendeu, que o que ele tinha ali, era mais do que uma obra, tinha a história, uma história pra ser contada e vivida pra quem fosse conhecer o lugar. Estou convencida que ele soube se aproveitar muito bem disso. Dentro da Maison há um lindo bistrot, uma adega, uma sala de cinema, uma pequena livraria - que também vende souvenires; acontecem oficinas e cursos, sobre história da arte, pintura, e conta também com uma linda sala de petit comité para eventos corporativos, degustação de vinhos, tudo ao estilo "Principado de Mônaco".
E acredito que, depois de tantas tentativas, Jean Louis, compreendeu, que o que ele tinha ali, era mais do que uma obra, tinha a história, uma história pra ser contada e vivida pra quem fosse conhecer o lugar. Estou convencida que ele soube se aproveitar muito bem disso. Dentro da Maison há um lindo bistrot, uma adega, uma sala de cinema, uma pequena livraria - que também vende souvenires; acontecem oficinas e cursos, sobre história da arte, pintura, e conta também com uma linda sala de petit comité para eventos corporativos, degustação de vinhos, tudo ao estilo "Principado de Mônaco".
Auvers é uma cidade bucólica, que vive da fama de VG. Parece que está em preto e branco, que parou no tempo; me sentia num filme do Bergman.
Entrei no Albergue e trazia no coração a emoção que compreendia somente a graça de estar ali ...
Mais uma vez passa-se um filme, volto à menina bailarina em Santos, recordando que transbordei meus olhos como caleidoscópio pelas paisagens bonitas e esquisitas do mundo surreal de VG, naquela semana de exposição solitária no foyer do teatro Brás Cubas, que visitei todos os dias e, como já disse, a partir desse momento na história de minha vida, nasceu e cresceu a minha admiração pelo artista.
Agora não sonhava mais. Não estava no Van Gogh Museum, nem no Momma, nem em Orsay, mas estava onde ele tinha vivido seus últimos dias e noites. Consciente de que Van Gogh foi explorado durante sua vida e agora após sua morte. Fato.
Cumpri o protocolo. Visitei seu quarto, sua cama de molas e de ferro fundido, a clarabóia que passa a luz que ilumina naturalmente o seu quarto, no último andar da casa, tão pequena. Aliás, não era exatamente um quarto, era o forro da casa, como um sotão, adaptado para dormir, muito pequeno e sufocante; piso de madeira, teto de madeira, paredes pintadas, nada ali era tombado, não tinha mais nada original, somente um pedaço da parede que deixaram exposto, para dar a autenticidade necessária ao lugar, com um vidro blindado, porque em algum momento, contam, tentaram levar uma lasca dessa parede.
Assisti ao filme da sua vida, editado pelo Instituto Maison de Van Gogh, com duração de 30min, chato e cansativo, até que ... a minha 'viagem' foi interrompida por uma excursão de japoneses ...
O local foi invadido por câmeras de última geração hi-tech e trajes tradicionais japoneses. Haviam excursionistas japonesas com sombrinhas e chapéus esquisitos, maravilhadas por estarem ali. O Japão ama Van Gogh, e me perdi na conta, mas havia, no mínimo, umas 50 pessoas, além de mim naquela sala de cinema.
Confesso que senti muito ciúme, de ter que dividir aquele espaço, aquele momento, com aquela gente do outro Mundo. Senti mesmo ciúme, e uma certa soberba, porque na minha cabeça, ralei muito mais do que qualquer pessoa pra chegar até ali.
Assisti ao filme da sua vida, editado pelo Instituto Maison de Van Gogh, com duração de 30min, chato e cansativo, até que ... a minha 'viagem' foi interrompida por uma excursão de japoneses ...
O local foi invadido por câmeras de última geração hi-tech e trajes tradicionais japoneses. Haviam excursionistas japonesas com sombrinhas e chapéus esquisitos, maravilhadas por estarem ali. O Japão ama Van Gogh, e me perdi na conta, mas havia, no mínimo, umas 50 pessoas, além de mim naquela sala de cinema.
Confesso que senti muito ciúme, de ter que dividir aquele espaço, aquele momento, com aquela gente do outro Mundo. Senti mesmo ciúme, e uma certa soberba, porque na minha cabeça, ralei muito mais do que qualquer pessoa pra chegar até ali.
Jealous! c'est Jealouse
Enquanto o albergue estava invadido por esses turistas, resolvi fazer o caminho inverso do passeio guiado, preferi caminhar ...
A alguns metros dali, cheguei ao famoso Champs de Blé, onde fiz uma pequena pausa, comi e bebi; joguei uma canga que carregava em minha mochila, sob uma árvore, e dormi, apaguei. Foi um sono que até hoje não consigo decifrar, não sei se dormi horas ou minutos, naquele lugar em que o tempo parece não passar. Me recordo de uma brisa que fazia o trigo dançar ... imaginei corvos, imaginei VG pintando compulsivamente, a vida pacata que ele elegeu. Mas era compreensível, parecia o paraíso. Estou bem certa agora, ah!, eu estava mesmo no Paraíso.
Quando despertei, tomei outro caminho que me levou até o cemitério principal de Auvers. Lugar simples, comparado com a exuberância de Paris, Per la Chaise, que necessitamos de um mapa para caminhar entre os seus túmulos. O cemitério de Auvers era um grande jardim.
Quando despertei, tomei outro caminho que me levou até o cemitério principal de Auvers. Lugar simples, comparado com a exuberância de Paris, Per la Chaise, que necessitamos de um mapa para caminhar entre os seus túmulos. O cemitério de Auvers era um grande jardim.
Meu coração disparou, mas me encorajei e entrei, estava só, logo virei à esquerda e, na primeira alameda, já podia ver as duas campas de solteiro e, na lápide de pedra, o epitáfio:
Ici repose van Gogh
e à sua direita,
Ici repose Theo van Gogh
Contemplei, ao meu redor, o silêncio dos mortos.
Deixei uma rosa vermelha, senti a tristeza desse lugar por um repuxo de sonho no pátio deserto da minha vida, tão cheia de sonhos, até que me fosse possível chegar ali.
Aproveitei essa oportunidade e disse a ele, cochichando:
__ Vincent, isolamento bom esse que vives, calmo e pacífico.
E ele, no meu inconsciente, respondeu:
__ Tatiana, estamos num cemitério !!!
Continuei:
__ Tatiana, estamos num cemitério !!!
Continuei:
__ As folhagens que cobrem seu jazigo parecem um tapete de folhas pequenas, verdejantes. Me permite levar uma, ou duas ?
Respondeu:
Respondeu:
__ Oui, bien sûr.
E foi na contemplação desse momento, que escrevi:
Dentro do seu auto-retrato vejo em seus olhos vultos estranhos, e suas mãos são inquietas, queria uma única vez que suas mãos fossem apenas folhas em branco, à espera da minha inspiração, Vincent, a expressão da sua face, poderia ser mais leve, líquida e doce.
Ainda assim não há palavras que exprimem a singeleza de um pedaço de céu, de um olhar, de uma flor, de repente me parece inútil tudo isso, e o que sinto agora, é profundo indefinido e imenso.
O amor e a loucura se fundem em ânsias e gozos, espirais de fumaça e poesia.
O amor e a loucura se fundem em ânsias e gozos, espirais de fumaça e poesia.
Deixo-te uma rosa rubra e uma lágrima doce.
Au revoir et a bientot, Vincent.
Já era hora de voltar, deixei o lugar com aquela sensação de estar me despedindo de um lugar que é quase impossível voltar outra vez, com as mesmas sensações que habitaram uma vida na minha própria, compreende ?
Saí, devagar, com duas folhinhas verdes do túmulo de VG, e tomei o último ônibus para Paris ...
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