quinta-feira, 16 de abril de 2015

Narrativa feminina de Sinead Morrisey

Lighthouse
Farol

Meu filho acorda às dez, espreguiça-se
seu beliche por entre o teto, alerta e atento.
O fim de agosto. Em breve o céu de luz do dia
arremessado do nosso solstício do Norte se esvanecerá 

cada vez mais e mais na abóboda nublada;
sua luminária com a Estrela de David e a lua de plástico
darão ao anoitecer a escuridão fora do quarto.

No outro lado do Lough, onde balsas se aventuram em alegria

e um antigo transatlântico, imponente como um palácio,
movia seu convés iluminado ao mar aberto – 
um farol principia seu ofício noite afora
de sinais descontínuos; cintila e rebate
esse feixe sinuoso de luz, então o apanha,

e depois o atira novamente para além do paralaxe.

Ele conta cada volta ungida em sua cabeça,
cada intervalo de escuridão perfeita, e acha que é só para ele – 
o gesto de um mundo que não pode ser acessado:
dois deles parcialmente cobertos, parcialmente visíveis,
mantidos numa espécie de conversa de menino
que ninguém mais consegue ouvir. Um lugar secreto, responde,
com pássaros e janelas de ripas – estive ali.

  1. Menos EU, mais Poesia

Por indicação de um amigo fui buscar a poeta Sinead Morrissey . 
Pesquisei, lendo muitas coisas sobre essa minha contemporânea de 42 anos.
Sinead agora faz parte da minha pesquisa incansavél, no fundo no fundo, todos querem encontrar
A poesia perfeita,a música perfeita,a obra perfeita,etc.

E Esse processo é o mais rico, que há, porque assim nesse garimpo, vamos conhecendo essas raridades como Sinead Morrissey.


Tatiana Justel
au revoir et a bientot


4 comentários:

  1. (parte i) Uma das linhas que passam por Belfast, capital da Irlanda do Norte, é uma linha que vai de Bangor até Portadown (uma corruptela de Port-a-Down, mal traduzindo, algo como 'porto da baixada'). Portadown, cidade onde nasceu essa grande poeta, fica no condado de Armagh (condados são divisões jurídicas dos territórios do Reino Unido, mas que também servem para divisões geopolíticas em momentos de sufrágio universal; não há como comparar com os nossos 'estados', porque há uma mistura de comarca com seção política, coisa bem, bem difícil de entrar num 'mindset' brasileiro, aliás, bagunçado deveras...).

    Por conta da proximidade de Portadown e Armagh com a fronteira da República da Irlanda (independente do Reino Unido, de maioria católica), estudou no Trinity College, em Dublin, capital do país (República da Irlanda), terra de grandes escritores como Oscar Wilde, Samuel Beckett, Sir George Bernard Shaw e o mais instigante de todos eles, James Joyce.

    O resultado não poderia ser diferente...

    Em terra de grandes escritores, as influências acabam saindo pelos poros. Talvez um legado do Temple Bar... talvez...

    O fato é que a poética contemporânea que se encontra na Irlanda do Norte, pelas ruas e bibliotecas de sua capital, Belfast, onde Sinéad hoje vive como escritora residente da Queen's University, é uma poética "topográfica", algo muito marcante nos norte-irlandeses, e dois dedos de qualquer passeio na riviera que vai de Holiwood (ou Marino, depende de onde você quer partir) até Groomsport, passando por cidades que mais lembram vilarejos virados para o mar, como, Cultra, Seahill, Helen's Bay (Baía de Helena), Carnalea, Bangor West, Bangor e Ballyhome) tornam-se prova concreta que o geofísico atua drasticamente na alma, psique, dos(as) poetas contemporâneos desse país.

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  2. (part ii) Nessa questão "topográfica", e já partindo para um pouco de literatura comparada, entre as várias grandes poetas desses dias em Belfast, não há como evitar certa comparação com Moyra Donaldson, autora de uma coletânea de poemas de grande repercussão no Reino Unido nesses últimos anos, um livro chamado "The Goose Tree" (inglês para "O Pé de Ganso").

    Moyra nasceu e foi criada numa cidade oposta (inclusive territorialmente) a Portadown, uma cidadezinha chamada Newtownards, que é virada para o mar para o lado do (Strandford) Lough. O Lough, que inclusive é amplamente citado em várias poesias de Sinéad, é uma grande baía fechada cuja saída dá para o canal que separa a ilha da Irlanda da ilha onde se encontram os país da Grã-Bretanha.

    Acho que nem preciso insistir em como a topografia influencia as poetas norte-irlandesas...

    Nesse espaço que vai dos condados de Armagh até Down (este último onde se encontram os municípios de Carnalea, Bangor West, Bangor, Groomsport, Donaghadee, incluindo o próprio Newtownards), é uma região de baixada, não há montanhas, apenas pequenos elevados, quando muito.

    Diferente da Escócia, e suas cadeias montanhosas chamadas "Highlands" (onde, num dica claro de sol e céu azul é possível vê-las, do outro lado do braço-de-mar (canal), ao longe, a partir da marina de Bangor e principalmente Ballyhome), a topografia dessa região da Irlanda do Norte é 'recortada'. Surpreendente em cada dobra, mas recortada.

    E é esse 'recorte' que acaba saindo de forma pungente, em alto e bom som (ainda que a poesia tenha seu lado gráfico, ou de grafia, como queiram), na alma dos trabalhos de Moyra (Donaldson) e Sinéad (Morrissey).

    No caso de Sinéad, um 'recorte da alma', no caso de Moyra, um 'recorte do humano'.

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  3. (parte iii) Mas essas semelhanças quanto ao 'recorte', a influência da natureza, principalmente do "topográfico", e especialmente do mar (inevitável! O Mar de Ferro!), ao mesmo tempo separam os caminhos e as poéticas dessas duas grandes poetas norte-irlandesas.

    Numa terra onde a cidade-capital produziu os três maiores transatlânticos da história dos transatlânticos, o Olimpic (chamado pelos norte-irlandeses de 'The Beloved', 'O Amado', nave que teve o maior sucesso na época e que teve o maior tempo de vida), o Titanic (chamado de 'The Damned', 'O Maldito', por conta de seu famoso naufrágio na viagem inaugural) e o Britanic (conhecido como 'The Forgotten', 'O Esquecido', por conta de sua inauguração ter sido no entre-guerras e quando eclodiu a Segunda Grande Guerra foi utilizado como navio-hospital e, logo, caiu em esquecimento), impossível dizer que esse Mar de Ferro não influencia, até hoje, os humores de quem quer que seja, inclusive o (rio) Lagan, cujo ronco é mais assombroso do que o do Tâmisa.

    Contudo, Sinéad Morrissey nasceu em um condado (o de Armagh) interiorano, sem grandes saídas para o mar. Apesar das passagens dela por países como Japão e Nova Zelândia, o 'recorte' de Sinéad saiu mais 'para dentro', o útero, o filho, a coisa da alma, do espírito... A alma! A alma da paixão, do amor! A alma que dói! A alma que tenta se ajustar a uma espécie de cegueira de olhos abertos, que tenta se ajustar ao paralaxe ("Parallax", nome seu seu mais recente livro, premiadíssimo e bem celebrado nas terras da Rainha) e encontramos um paralaxe que não é ótico, mas emocional, afetivo, sentimental. Um paralaxe do coração, como se o coração tivesse olhos que enxergam instâncias invisíveis e tremendamente emocionais.

    Já o 'recorte' de Moyra (Donaldson), nessa "topografia humana", claro que é sensível e artístico como a de Sinéad, mas está mais ligado ao 'humano', a passagem do tempo cronológico, os efeitos dele sobre o corpo, questões ligadas a quem está mais próximo do fim, o cotidiano, um humor mais 'mareado', como encontramos mais em Newtownards (terra natal da autora).

    Cansada de Belfast, corre-se a boca-pequena que hoje ela mora na vizinha Donaghadee, também cidade balneária, mas virada para o Atlântico Norte e Escócia. Sua ida para Belfast se deve aos estudos, na Queen's University igualmente, onde trafegando pela Avenida Botanic, encontrou os dois lados da moeda (somente em Botanic é possível encontrar o choque do acadêmico com o artístico, em certa boemia que mescla doutores e artistas, com a juventude estudantil circulando entre os dois): a vida pensada contra a vida vivida.

    Na Queen's University, ela estudou Language & Literature (inglês para 'Língua & Literatura', algo correspondente ao nosso curso de Letras), mas o adquirido foi o suficiente para se criar certa aversão a um academicismo que ela compara como 'castrador' para a alma flamejante e criativa que todo(a) poeta precisaria ter (assunto recorrente em vários 'posts' de seu blog pessoal).

    Assim, a pessoa jurídica de Moyra meio que se mistura aos seus questionamentos de pessoa física, e o cotidiano começa a visitar seu processo criativo: a severa crítica ao academicismo (mesmo sendo ela, como ela mesma diz, egressa desse meio), certo azedume ao feminismo como ato político e não humano, a besteiragem da coisificação do ser humano, a falência do corpo e os novos rumos da libido com o avançar do tempo, a família, a presença do filho como materialidade do afeto, a materialidade do afeto como abordagem mais carnal, do carnal para o afetivo, o sentimental, a vivência do amor saindo de nossas projeções misteriosas e partindo para certa concretude tão misteriosa quanto, mas sempre reclamando da plenitude de tudo o que se sente.

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  4. (part iv) Mesmo assim, o telúrico ainda possui traços marcantes em "The Goose Tree", onde ela retém com certa primazia esse caráter mais incandescente e perto do panfletário que a pessoa física de Moyra parece conter.

    Dois grandes nomes, dos vários que encontramos hoje na poesia dos dias de hoje, tanto em Belfast como em qualquer outra parte da Irlanda do Norte.

    Para finalizar, uma historieta que mostra bem o tipo de humor que encontramos nessa maravilhosa ilha da Irlanda.

    Há uma região da cidade de Belfast chamada "Titanic Quarter", um enorme descampado, junto à área portuária, onde lá se encontram o Museus do Titanic e a antiga instalação do estaleiro da White Star (companhia marítima que armava e gerenciava o Olimpic, o Titanic e o Britanic).

    Lá é possível visitar o majestoso e monumental "Dock & Pump House", uma espécie de gigantesca 'vala' onde o estaleiro funcionava, para reparo, construção e armação dos navios e transatlânticos da White Star.

    Ao final da visita ao "Dock & Pump House", todos os guias finalizam seus trabalhos da seguinte forma:

    "Muito obrigado pela gentil visita de todos vocês. Agradecemos carinhosamente a atenção e paciência de todos vocês, e esperamos vê-los todos mais uma vez aqui. Voltem sempre! E lembrem-se: quando o Titanic saiu daqui, estava tuuuuudo bem...!".

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