quinta-feira, 26 de março de 2015

Vincent van Gogh, gênio ingênuo


O que faria um artista que viveu nos limites, entre campos e cabarés, entre a paz de um trigal, e a boemia nas noites de Saint Remy, pintar a vida cotidiana com tanta realidade ? Pintar a vida simples do campo, os loucos do manicômio, fazer retratos de pessoas comuns, pintar o sol, a lua ...

Queria tanto saber o que se passava na cabeça desse gênio ingênuo...

"... Só mudaram os fantasmas. Tudo é medo. A gente cresce e leva um tempo pra perceber que os gigantes são maiores. A gente cresce e acha que tá fazendo um grande negócio. Aí, sente falta do homem do saco. Se mete com droga, bebida, balada, uma fodelança desenfreada e acha que tá fazendo um grande negócio. É lascívia pra galgar posto, aceita qualquer expediente funesto, abre as pernas por qualquer dinheiro, ou nem isso, bota uns nomes bacanudos pra essa merda toda, do tipo camaradagem, amizade, parceria, ambição, curtir a vida, crescer, carreira, desejo, superação, vida pública... participação política... colaboração de classes... Né?! Amor... A gente ainda tem a manha de tacar o nome de amor..." (trecho de uma peça de Marcelo Rayel)

Muito bem usada para esse momento ...

Vincent, tudo me leva a crer que você tinha muitos fantasmas atormentando-o.

O que o salvou, foi a arte; ele exalava e respirava arte, era um pintor compulsivo, chegava a pintar até 100 telas por dia, às vezes não tinha dinheiro pra tintas, fazia alquimia, dava um jeito, só não vendia suas telas, porque seu irmão, Theo Van Gogh, o ambicioso, já fazia por ele, chantageando por algumas migalhas de atenção e carinho. 

Van Gogh, é um desses entes, que ama mais o outro do que a si mesmo; o outro, também pode ser abjeto, abstrato, uma paisagem, uma tela ou um copo de absinto.

"(...) Juro que nem me lembro do que ele falou. Não me recordo do assunto. Agora... agora... sinceramente, não lembro. Com riqueza de detalhes?! [pausa] A única coisa que eu me lembro é que eu tava muito triste. Não é esse negócio de depressão, não. Esse troço que artista insiste colocar o nome de melancolia. Não! Era tristeza mesmo. A mais profunda e genuína tristeza. Tava triste. (...)"  retirado do texto de Marcelo Rayel.

Vincent, sentia medo e tristeza.
Não era depressão, porque naquela época, uma depressão era diagnosticada como LOUCURA, e não acredito que ele tenha sido um louco.
Só queria ser ouvido, só queria ser reconhecido, e a única coisa que tinha para oferecer era a sua arte.

Vincent Van Gogh

Vincent, jovem
Quando julgarmos alguém, seja do que for: louco, insano, filho da puta, desgraçado, mau caráter, tipo "joga pedra na Geni",
tente pensar nesse ser, como uma criança; esse ser já foi uma criança
pense nisso ...

E aí deixo, um pouco de poesia
que cabe à primeira figura, "O Semeador", de 1888. 


SENSATION

O Semeador  

Par les soirs bleus d'été, j'irai dans les sentires,

Picoté par les blés, fouler l'herbe menue:

Rêveur ,j'en sentirai la fraîcheur à mes pieds.

Je laisserai le vent baigner ma tête nue.


Je ne parlerai pas, je ne penserai rien:

Mais l'amour infini me montera dans l'âme,

Et j'irai loin , bien loin ,comme un bohémien,
Par la nature, heureux comme avec une femme



Pelas noites de verão azul, eu vou pelos caminhos,


Picadas pelo milho , destruindo a grama curta:


Sonhar Vou sentir a sua frescura em meus pés.

Eu deixo o vento banhar minha cabeça nua.


Eu não vou falar, vou pensar em nada:

Mas o amor sem fim vai montar na minha alma,

E eu vou longe , muito longe , como um cigano,

Por natureza, feliz como uma mulher.



Arthur Rimbaud


Dedico este post ao escritor, letrista, romancista e blogueiro Marcelo Rayel, 
por suas reflexões tão profundas. 
Os solitários são os que estão mais imersos no mundo, meu amigo.

au revoir et a bientot


Tatiana Justel

Um comentário:

  1. Divisar a loucura dentro de um mundo acordado...

    "(...) Van Gogh, é um desses entes, que ama mais o outro do que a si mesmo; o outro, também, pode ser abjeto, abstrato, uma paisagem, uma tela ou um copo de absinto. (...)"

    De certa forma, quase todos nós, em certo grau, extensão, possuímos algum tipo de desarranjo psíquico, grau e extensão mais toleráveis socialmente em alguns, muito pouco em outros.

    Passamos a vida na tentativa de não sofrer o revés desse desmando, desse descompasso. Às vezes, conseguimos nos reerguer, em tantas outras, caímos.

    A solidão pode ser resultante do quanto somos excluídos, do quanto o isolamento é compulsório. A solidão, em si, nunca pareceu (e nem parecerá) o melhor dos mundos. Seu surgimento talvez se deva àqueles momentos da vida em que olhamos para o lado e nada, nem ninguém, nos acrescentará um tijolinho sequer na materialização de um desejo pessoal e intransferível.

    A tristeza talvez não venha somente da solidão. É a constatação do mundo 'de verdade', onde há mais máscaras do que corações, onde há mais uma 'física dos interesses' do que o genuíno e sincero olhar, o toque.

    E quando o desprendimento de si próprio em favor do outro faz parte da essência de alguém, a probabilidade de incompreensão que essa pessoa pode sofrer acaba por se tornar cronicamente insustentável.

    Van Gogh pode até, medicamente, ser diagnosticado como tal, desajustado. Há, sim, essa possibilidade. Porém, boa parte de suas agruras vinha da tristeza de querer ser pelo outro, de caminhar ombro-a-ombro com ele, de existir com ele, e não ser correspondido nessa empreitada, nem tampouco, devida e respeitosamente, compreendido nessa natureza de se estabelecer no mundo dessa forma.

    É apenas tristeza. Tristeza de se estar sozinho quando sempre se buscou estar com o outro. O desencontro, a não-correspondência. Tudo fica muito mais prático ao explicar essa imersão no mundo como 'loucura'. Encerram-se discussões, finalizam-se os debates, falece o 'amor fundamental'. "Ele é louco!"... e está tudo resolvido.

    Quando se retiram os filtros, percebe-se que quem nos cercava, nos rodeava e/ou nos ladeada, vinha em busca de sanhas seculares que só fazem jogar a alma no mais profundo, escuro e frio inverno.

    É impossível, com a retirada dos filtros, não se ser triste.

    E quando agimos em conformidade dessa tristeza, percebemos que estamos sós. Ninguém estará ao nosso lado. Porque não atendemos mais a sanha secular daqueles que nos cercavam. Quando não há mais a 'troca terrena', quando passamos a apenas perceber o fluir da alma, "não servimos mais", os isolamentos se estabelecem, as ligações não são mais interessantes ao outro.

    E se passa, então, a viver com aqueles que realmente estão em nossas vidas porque querem estar. Nem preciso dizer que o número daqueles que estavam conosco cai drasticamente.

    Contudo, é preferível viver com aqueles que querem viver conosco, independente do número. Porque, imperando a 'física dos interesses', a tristeza pode ser maior: seres que nos destinam migalhas de seu tempo e sua atenção, escamoteados por discursos de eternidade e rodeios de auxílio.

    Prefiro estar imerso no mundo, na emoção da vida. Que custe a solidão, acaso for! A face da tristeza, se realmente for inevitável!

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