quinta-feira, 19 de março de 2015

Lima Barreto, prazer em conhecer !

Quando estudei Literatura no antigo Ginásio, se não me falha a memória hoje é chamado de Ciclo Básico, conheci alguns escritores que me marcaram muito. Nesse tempo eu ainda não possuía uma noção política e de conjuntura, daí ficava sem uma referência para tentar compreender a função social que o homem tinha na sociedade. Foi quando um dos meus primeiros trabalhos de classe me levou a conhecer Afonso Henriques de Lima Barreto, carioca da Cidade do Rio de Janeiro, nascido em 20 de maio de 1881.

Para desenvolver esse trabalho literário fui à biblioteca central de Santos, que naquela época funcionava no prédio do Teatro Municipal Brás Cubas, no Centro de Cultura Patrícia Galvão, instalada no espaço que é ocupado atualmente pelo MISS - Museu de Imagem e do Som de Santos. E lembro, como se fosse hoje, menina, estudante, vestindo a camiseta do Colégio Liceu São Paulo, saia xadrez, cinza e branca, meias brancas três quartos e sapatos pretos. Quando cheguei ao balcão daquela silenciosa biblioteca, tímida, pedi:

__ Senhora, preciso qualquer coisa muito simples e rápida sobre o Lima Barreto, porque mal tenho dinheiro pra xerox e vou precisar copiar mesmo.

Essa cena que ora revivo aconteceu em meados de 1985, quando tinha 12 anos de idade.

A bibliotecária sorriu (me pareceu com ironia) e me trouxe uma pilha de livros, como quem quer dizer, imagino hoje felizmente:

"__ Conheça, menina! Você não irá se arrepender !!!"

Não me intimidei com esse desafio, porque sempre fui curiosa e tinha uma sede de aprender ... E ao abrir o primeiro volume de Lima Barreto, deparei com a frase:


" ... a minha alma é um bandido tímido"

Por aí, nem é necessário dizer que a minha afeição por esse escritor foi instantânea! Paixão à primeira vista, nesse dia na biblioteca pública. Recordo como se tivesse viajado no tempo, que passei horas lendo, e lendo, e perdi a hora do ballet ...

Sua militância na literatura nos convence até hoje, seus valores eram de cunho patriótico e liberal, além de se destacar por ser do movimento anticlerical, ou seja:

__ Igreja, fique fora da vida política !!!




Na minha compreensão adolescente, comparada e amadurecida com outros literatos e teóricos, Lima Barreto me impressionava pelo que provocou em minha consciência virgem. Seu desejo era o de escrever para despertar alternativas renovadoras na sociedade, e o seu papel social na literatura era claro desde os meus primeiros contatos com as suas obras.

Compartilho neste post algumas passagens de sua escrita circundante, envolvente. Ele, sem medo, dizia:

__ A aristocracia não pensa, é insensata, inculta, incauta.

Se fosse traduzir isso para os dias de hoje, quem sabe se assemelharia a:

__ A Elite Branca é boçal !!! (e olha que estou sendo generosa)

Tomo a liberdade de afirmar que Lima Barreto teve um papel de redescobrir o Brasil através da sua escrita. Se pudéssemos voltar no tempo, também para interagir com ele e tentar saber a sua visão do momento atual, qual seria a sua interpretação? 

Penso que a Presidente estaria melhor assessorada, com certeza.

Ai, ai, ai ...

Mas Lima Barreto não foi reconhecido na literatura no seu tempo, isso aconteceu apenas após a sua morte. O escritor viveu uma vida boemia, solitária e entregue a bebida. Virou alcoólatra, foi internado duas vezes na Colônia de Alienados na Praia Vermelha, por conta das alucinações sofridas durante o seu estado de embriaguez.




Viram a sua carteira de identificação? Quando internado, repare no equívoco, quando se diz COR !!!

Usou sua vida como laboratório para escrever seus livros, denunciou a desigualdade social na obra 'Clara dos Anjos', falando do preconceito entre os negros, mestiços, mulatos, e revelou o seu sofrimento quando foi internado no Hospício Nacional, no livro 'Cemitério dos Livros'.

Na sequência, um breve vídeo com cenas de 'Clara dos Anjos'



Sua principal obra foi 'Triste Fim de Policarpo Quaresma', na qual relata a vida de um funcionário público, nacionalista fanático, representado pela figura de Policarpo Quaresma. Dentre os desejos absurdos desse personagem está o de resolver os problemas do país e o de oficializar o tupi como língua brasileira.

Agora, um breve vídeo com cenas de 'Triste Fim de Policarpo Quaresma':




Para finalizar, como sempre deixo uma frase do autor, para a reflexão sua que me acompanha. Essa foi mágica, porque encontrei exatamente no mesmo livro em que fui apresentada a ele há quase 30 anos, na Biblioteca de Santos: 'Crônicas Escolhidas de Lima Barreto':







Tatiana Justel




2 comentários:

  1. Blimey!!!

    Mais do que um homem adiante do seu tempo, ou pelo menos com uma visão de mundo, ou das coisas, imprensável para a época em que viveu, Lima Barreto é um daqueles raros escritores que sabiam perfeitamente ter amparo e domínio do 'tom' e 'intenção' que queria imprimir no tecido verbal.

    Algo razoavelmente raro nos dias de hoje...

    A consciência na confecção do tecido verbal pode até não ser uma característica rara, mas, quem sabe, nos tempos de hoje, fosse algo imprescindível para diferenciar os homens dos meninos, e que poucos escritores e/ou cronistas como Lima Barreto possuía.

    Ele fôra a técnica antes da consciência da técnica, desses estudos estendidos, tremendamente numerosos, quase exaustivos, produzidos aos borbotões pelas academias ao longo do século XX. Um prenúncio de vertigem, que hoje tiraria do(a) candidato(a) a escritor, a necessidade de se encontrar a Literatura pela técnica, pela urdidura do tecido verbal, e não pelos 'jogos-de-cena' que seduzem tanto os autores e que acabam solapando os(as) leitores(as) com algo tremendamente tépido e sem grande profundidade.

    Foi por isso que Lima Barreto ganhou sua mente...

    Belíssimo texto! Keep on pushing...!

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    1. Rayel, obrigada pelas palavras!!! como você sabe , sou bailarina, a escrita é só um hobby, entretanto, pensando bem, não dá para separar a poesia da dança, durate muito tempo dancei o poema, era a maneira que eu tinha de me expressar. Hoje eu digo à você, que é uma necesisidade que tenho , escrever, escrever.... não sei no que vai dar nisso, mas diante de tudo que vejo por ai, todo povo da arte transitando em todos os segmentos, não vou me intimidar não, e se precisar vou pedir ajuda aos universários, no caso você e outros amigos que temos em comum. Fico feliz que tenha gostado, me dá mais motivação para continuar a escrever. mais uma vez, obrigada!!! Keep in touch!!!! kisses

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