domingo, 1 de março de 2015

in Sônia e a poesia que caiu no meu colo


Descobri que a insônia é minha aliada, minha companheira nas noites quentes desse verão. Aprendi a duras penas a conviver com ela, e aceitá-la... Passei a chama-la pelo nome: In Sônia, e formamos uma bela parceria; dou café, vinho, leio pra ela, coloco música, cinema, às vezes dou um lanchinho rápido, peço uma pizza, esquento o almoço do dia anterior, acabamos juntas tomando umas taças de sorvete, fumamos, brindamos, enfim, Sônia é minha fiel escudeira, aprendi a amá-la.
Hoje às 04h00, me despertei com ela, dei um trago na água ao lado da cama (vazia), fiz um café instantâneo com canela, e passei a mão na revista 'Babel Poética', EU # OUTRO, do escritor paranaense/santista e também editor dessa revista, Ademir Demarchi.

Como de costume, sempre tenho a esperança de que, se começar a ler, a in Sônia dorme, e me aproveito disso, mas não foi assim.
Acendi o abajur, aleatóriamente abri a Babel e veio à página 40, um poema de Fabio Weintraub (SP),

 “OUTRO”

Desejo enorme
De não ser este
Portar outros gestos
Vestir noutro dedo
O anel alheio
De ter outra casa noutra cidade
Assinar cheques
Com outro nome outra letra

Desejo
De outras silabas
Outros beijos
Outra mão a afagar
Outros cabelos
Noutro espelho
Outra barba
Pontilhando o rosto
O queixo
Sob outra luz

Outro cheiro
Noutro quarto
Sem cadeira
Sob o nó da forca
Sem o copo de veneno
Lá em cima do piano
Onde não pude ser ninguém

Coisa que se fixa

Como ideia clara

Desejo de outro hotel
Outra bagagem
E digitais restauradas como quem lava as mãos
E apaga
O fogo de quem foi

Franjinha sebosa se levanta
Do banco onde está
E vem senta-se ao meu lado
No ônibus vazio

Talvez seja secretaria
Talvez preencha boletos ou monitore
As entregas dos motoboys
Talvez lave a franja
Duas vezes por semana
Coma pizza em dias alternados
Tenha um gato e se masturbe
Quando a novela não acaba


Tão logo toma assento
Cerra os olhos cabeceia
Tenho medo de que babe
Perca o equilíbrio e desabe
Sobre a minha pessoa


Dedos cruzados
Em posição de prece
Sua postura é bizarra

Ela é devota de algo ou de alguém
E seu sono conta pontos
No placar sombrio de um país
Aonde os versos não chegam

Fabio Weintraub




Diálogo entre EU e o OUTRO:

Eu: __ Dentro do poema, há outro poema.
Outro: __ nas entrelinhas?
Eu: __ Sônia, sua sebosa, vamos dormir!
Outro: __ você escreve mal pra caralho
Eu: __ bom dia, ou melhor, boa noite e bom domingo; tenha bons sonhos...

Tatiana Justel


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