POEMA DO LIVRO:
TRATADO DOS ANJOS AFOGADOS
DE MARCELO ARIEL
IMAGINADO O LOUVRE
1.
Sir Joshua Reynolds:
Mister Hare
Ela quer algo
que está fora do quadro?
Os galhos da árvore,
com o vento,
quase tocam suas mãos
como no quadro de Michelangelo Deus toca
as mãos de Adão
( Tratado dos Anjos afogados.Ed. LetraSelvagem-2008)
( Tratado dos Anjos afogados.Ed. LetraSelvagem-2008)
Diálogos entre a poesia e a pintura: Marcelo Ariel
No meio do horror , surge Imaginando o Louvre ,
o poeta atravessa a pintura
questiona a protagonista
como espectador
e deixa-nos uma pergunta no ar
acredito que a pintura de todas as artes
é a mais ingrata
é solitária
para quem a observa
e para quem a fez
e o poeta
em seu pequeno opúsculo
decifra o irreal e o torna real
no momento que se faz a poesia?
Marcelo Ariel: Se você se refere ao 'real' do Horror, afirmo que é imprescindível questionar as bases desse real fabricado pela incapacidade humana de compreender a vida em seu potencial edênico,não sei se atravessei o quadro, melhor dizer que fui atravessado por ele, meu amigo o grande pintor Gastão Frazão, infelizmente já falecido, costumava dizer que o maior espanto diante de um quadro ocorre porque nos esquecemos que ' aquilo é apenas tinta' , o mesmo podemos dizer de um poema, tinta e palavra se equivalem quando se trata de criar um universo de ilusão capaz de ampliar nossos 'modos de ver e sentir', você também evoca a solidão do pintor e a do poeta, bem no caso do poeta quanto mais profunda a solidão melhor a tela, não se trata apenas do desejo de comunicar algo da ordem do transcendente, essa coisa cada vez mais oculta e cada vez mais óbvia chamada ' vida do espírito', na vida do espirito a profundidade da solidão é a medida da profundidade do olhar. Gostei do início de sua pergunta, ' no meio do horror', se estamos no meio, então existe um movimento, um processo de atravessamento, penso que é exatamente deste ponto que podemos, nós, enquanto ' o ser em geral' ou a humanidade continuarmos nossa caminhada, nossa busca para sair do horror. A imagem do Louvre serviu no Tratado dos anjos afogados, esse meu segundo livro que se identifica do a primeira parte da ' Comédia' de Dante, como um contraponto para a imagem de uma favela incendiada, se existe a capacidade de materializar favelas, também existe a de materializar o equivalente do Louvre no mesmo espaço de uma favela, é este o pensamento político por trás da escolha do Louvre, se não fui ao Louvre, tampouco estive no meio do incêndio, eis aí os paradoxos e os poderes de uma imaginação quando ampliada por uma sensibilidade poética e todos sem exceção possuem esta sensibilidade. Você também comenta o fato poético, vamos chamá-lo assim onde o ' ser em particular' do poeta se coloca como espectador a partir do interior do quadro, bem isto foi inaugurado por Velásquez em seu quadro ' As meninas' e gosto de dizer que este quadro é o maior poema silencioso e sem palavras já realizado, apenas transfiro o que chamo de ' efeito Velásquez' para outros quadros com a mesma intensidade de significados.Por fim a idéia do ' O irreal tornado real' se aplica mais ao sistema financeiro de todo o mundo do que ao meu método de escritura, trata-se do ' real tornado visível' do Sr. Paul Klee, o ' irreal tornado real' são as guerras e o sistema político-partidário, o sistema financeiro e esta aberração da literatura, o sistema jurídico que confere uma falsa onipotência aos juízes e desembargadores. Também não vejo ingratidão no exercício de uma pintura potencialmente poética ou de seu complemento e irmão gêmeo, o poema que a evoca. Vejo ingratidão no modo como as sociedades tratam seus poetas e pintores, seus artistas, condenado-os a uma vida muito difícil.
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