Poema do livro Tratado do anjos afogados
de Marcelo Ariel
Georges de Tour
Cristo com São José na oficina de carpintaria
Esse menino como outro qualquer
É Cristo?
Isto 'cristianiza' qualquer criança...
Mas o mistério do quadro está na vela apagada
De onde vem a luz que ilumina o menino?
Ele parece explicar algo sobre o mistério ao velho,
Mas nós não podemos ouvir
(Tratado dos anjos afogados. Ed.LetraSelvagem-2008)
(Tratado dos anjos afogados. Ed.LetraSelvagem-2008)
O poema levanta a seguinte questão: De onde vem a luz que ilumina o menino com a vela apagada na mão
Num momento entre pai e filho, em que um deixa de ser o Santo e o outro Deus
e a criança deixa de ser a única a ser cristianizada, mas continua iluminada por uma luz Celestial,
O mistério do quadro está na luz apagada ou nas expressão da face do velho , que escuta com atenção a criança?
São José está ensinando o filho a fazer algo ?
Qual o movimento dessa energia que se delimita entre os olhares?
Marcelo Ariel: Sim,no poema de um certo modo problematizo a questão da origem da luz, ela parece vir de dentro da face do menino, não creio que a questão seja apenas a da ' deificação', desta luz e isso parece obvio cumpre ali o mesmo papel da auréola, é como uma auréola que se mistura com a aura, para mim a questão é a da origem da deificação como origem da luz, talvez seja esta a grande questão do poema e aqui o poema ao comentar o quadro se desprende um pouco dele para elaborar uma tese. A palavra 'mistério' é estratégica e se refere ao silêncio que todo grande quadro evoca, no caso deste é um ' silêncio que retrata o momento da fala' e existe um intimismo na cena, justamente esse intimismo é a fonte do mistério do quadro que aparece como pergunta no poema, o que torna essa criança especial é o que orna qualquer criança especial. O pintor deifica a figura da criança, neste quadro com traços de androginia tipica das representações dos Arcanjos, é como se La Tour operasse uma fusão entre o Cristo-menino e o anjo que anunciou seu nascimento. Por outro lado a figura do Pai como ' o humano' é reivindicada pelo quadro. É esta a questão quem levou ao poema e não a outra, digamos, metafísica. O movimento da energia que se delimita entre os olhares, que você menciona como um dos centros da sua pergunta é o da interioridade, a luz aqui também é um simbolo da sabedoria, não podemos nos esquecer do contexto da cena, Cristo ficou se não me engano três anos fora de casa e é reencontrado por seus pais discutindo com os doutores do templo ou seja debatendo com os sábios cabalistas do templo judaico, a luz aqui também significa o ' ein sof' da árvore da vida. Finalizando na cena vemos José ensinando carpintaria para seu filho, talvez ele esteja ensinando o menino a talhar uma cruz.